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Lesões ao princípio do Defensor Público natural no processo penal

Lesões ao princípio do Defensor Público natural no processo penal

 

Tema interessante que se pode tratar hoje é o princípio do defensor público natural no processo penal. A questão tem muita relevância prática, nos casos em que ocorrem nomeações de defensores dativos com ônus para ao Estado, em processos que o Defensor Público está efetivamente atuando. Com isso, passa-se a uma análise do princípio do Defensor público natural sob a ótica da Constituição e da lei complementar federal 80/94, com as alterações posteriores, ressaltando, inicialmente, a função constitucional exercida hoje, pela Defensoria Publica.

 

A Defensoria Pública com a Constituição Federal de 1988 é uma verdadeira cláusula pétrea, pois, segundo a Lei Complementar 80/1994, com as alterações feitas pela Lei Complementar 132/2009, trouxe para os Defensores Públicos o poder-dever de fiscalizar o princípio da dignidade da pessoa humana, reduzir a desigualdade social e a dar eficácia social aos direitos humanos. Hoje, pode-se dizer sem medo de errar, que a Defensoria Pública trabalha junto com outras instituições na defesa da sociedade, principalmente com a legitimidade para as ações coletivas que beneficiam incontáveis pessoas, citando como exemplo, inúmeros consumidores, idosos, pessoas hipossuficientes economicamente que se utilizam dos hospitais públicos, mulheres vítimas de violência doméstica, dentre outros.

 

Uma das últimas conquistas da sociedade foi a sanção, da Lei nº 12.313/2010, que passa a regulamentar a atuação da Defensoria Pública no sistema prisional.  Com mais essa conquista, evita-se que o interno fique mais tempo que o devido no sistema prisional e termine por desaguar em rebeliões e desordens dessa natureza, causando prejuízo ao erário publico, e por fim, à sociedade. É nesse contexto que o Defensor Público, como agente político que é, fiscaliza e dá eficácia aos direitos humanos, reduzindo a desigualdade social, aliás, um dos objetivos da República Federativa do Brasil.

 

Destarte, neste arcabouço de atribuições, o Defensor Público exsurge, como um agente promovente da defesa, não só do economicamente frágil, mas, na seara processual penal, dos que estejam desamparados de uma defesa técnica preparada à altura da parte promovente da ação penal, seja pública ou privada, tendo em vista a natureza do litígio envolvendo direitos indisponíveis, como é o caso do jus libertatis.

 

Tais atribuições dos Defensores Públicos obedecem a uma ordem pré-definida, justamente, para resguardar a independência funcional, a inamovibilidade, bem como, assegurar o contraditório material, prerrogativas e garantias asseguradas pela Constituição Federal.

 

Essa ordem é realizada através de regras objetivadas que determinam as lotações e atribuições dos membros da Instituição.  Assim, Defensor Público Natural é o integrado de forma legítima, sendo um órgão de execução estatal escolhido de acordo com critérios legais previamente fixados na lei e resoluções do Conselho Superior.

 

Esse mencionado princípio tem gênese constitucional, não só pelo que se depreende do artigo 5º, LIII, como também pelo artigo 134, §1º que trata expressamente da inamovibilidade, ambos previstos na Constituição Federal.

 

O princípio do defensor natural tem dupla garantia, pois não se dirige apenas para o Defensor Público, mas também para a sociedade, in casu, para o réu assistido.

 

Com a nova roupagem da lei orgânica da Defensoria Pública (LC 84/94, com as alterações pela LC 132/2009), é indiscutível a figura do Defensor Público Natural, havendo disposição expressa no artigo 4º, inciso IV, que diz: são direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos, o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural.

 

Ressalte-se que o princípio do defensor natural tem uma conotação diferente do princípio do juiz natural, tendo em vista o princípio institucional da unidade e indivisibilidade que rege os membros da Defensoria. O que se está a falar aqui, é sobre as designações arbitrárias ou a nomeação de defensor dativo, o famigerado  ad hoc, quando já existe o órgão de execução natural exercendo suas funções efetivas em determinado processo criminal.

 

Fere o princípio do defensor natural qualquer designação realizada pelo chefe da Instituição, para que atue em determinado processo um Defensor diverso do natural, salvo os casos de afastamento legal previstos na resolução do Conselho da Defensoria, como também não pode avocar autos de processo, seja administrativo ou judicial. Designações podem existir, mas mister, que tenha a concordância do Defensor Público Natural.

 

Também lesionam o princípio, os mutirões realizados quando ocorre a designação de outro Defensor Público para atuar, que não o Defensor Natural da causa, sem o consentimento deste, bem como a nomeação de defensor dativo para atuar em processo, que tem a presença do órgão de execução natural. Aliás, neste último caso, além de ferir o princípio do defensor público natural, acaba por transformar o contraditório em garantia meramente formal. Salta aos olhos à evidência, que um defensor dativo, nomeado de inopino, para uma audiência com atos concentrados, que vai desde a oitiva de testemunhas até alegações finais, muitas vezes até com sentença, não terá o zelo e compromisso com o assistido e com o interesse público, causando, inclusive, prejuízo ao erário.

 

Como forma de exemplificar, frequentemente, o Defensor Público atua em duas Defensorias Criminais, realizando audiência dois dias em determinada Vara Criminal e três dias em outra. A nomeação de um dativo para realizar a audiência exatamente no dia em que o Defensor Público esta atuando na outra Vara Criminal, expurga por completo o contraditório material e causa prejuízo ao erário, pois, para apenas aquele ato realizado por um defensor dativo, que desconhece o processo, percebe uma importância de um salário mínimo, e sendo de uma sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, o absurdo de vinte salários mínimos. Isso causa impacto aos cofres públicos, sem contar, principalmente com o prejuízo para o assistido, que lhe foi subtraído o  direito assegurado em lei de ter a defesa realizada por seu Defensor Público Natural, o qual, já tinha conhecimento do processo, bem como, uma linha de defesa pronta para o assistido.

 

O exemplo acima se encaixa também como uma luva, nos casos em que por ausência justificada para determinada audiência, como no caso do dia do Defensor Público, em específico, a Lei Complementar Estadual de Sergipe nº 183/2010 em seu artigo 123, que dispensa expressamente os Defensores Públicos de suas atividades, ou até mesmo, nos casos em que o membro da Defensoria estará presente a um congresso, inclusive, avisando com antecedência ao juízo ou comarca no qual atue, e mesmo assim, a audiência é realizada com nomeação de defensor dativo.

 

Nesses casos, o princípio do defensor natural sob a ótica da inamovibilidade, torna um princípio instituído pela Constituição Federal, uma verdadeira letra morta.

 

No momento em que é nomeado um defensor  ad hoc nos últimos exemplos acima, indiretamente está removendo o Defensor Público Natural da causa, ferindo direito liquido e certo, tanto do assistido com base no artigo 4º, IV da LC 80/94, como do membro da Defensoria que teve sua inamovibilidade violada por via transversa, sem contar que não ocorreu o contraditório material, eivando de nulidade absoluta todo o processo.

 

Ademais, a isonomia fica terminantemente espancada, haja vista a presença de um juiz natural e de um promotor natural. Resta um desequilíbrio neste tripé de agentes políticos promoventes da justiça.

 

Para concluir, fica claro que o princípio do defensor natural tem sede constitucional, bem como na Lei Orgânica da Defensoria, não podendo haver designação pelo Defensor Geral para que outro membro atue no seu lugar, salvo concordância deste ou nos casos já previstos na norma, assim como, fere o referido princípio, qualquer nomeação de defensor  ad hoc, onde existe órgão de execução natural, sendo extremamente nocivo ao contraditório material, prejudicando assim, a ampla defesa, e de modo  transverso,  torna a inamovibilidade prevista na Constituição Federal, um verdadeiro castelo de areia na beira do mar.